segunda-feira, 9 de julho de 2012

A Loucura da Normalidade

"No primeiro capítulo, faço uma reflexão sobre o que quer dizer responsabilidade e confronto-a com o que normalmente é considerado a sua medida: o dever e a obediencia(processo que começa na infância quando as crianças são levadas a adaptar-se ao mundo conforme visto pelos olhos dos adultos).A partir daí, chego a uma definição de loucura que diverge da preconizada pela Psicologia e Psiquiatria oficiais.A perspectiva desta última limita-se a apreciar o comportamento humano apenas com base no respectivo relacionamento com a realidade o que óbviamente, tem a sua razão de ser.Só que impede, assim, a aproximação a uma patologia menos evidente e mais perigosa, de cujo método próprio a dissimulação faz parte: a loucura que se encobre a si própria e se mascara de saúde mental.Essa não tem dificuldade em ocultar-se num mundo em que o engano e o ardil são comportamentos adequados à realidade. 
Ao mesmo tempo que os que já não aguentam a perda dos valores humanos no mundo real são considerados "loucos", atesta-se a normalidade àqueles que se separaram das suas raízes humanas.E é a esses que confiamos o poder, permitindo que decidam sobre as nossas vidas e o nosso futuro.Pensamos que eles têm a atitude certa perante a realidade e sabem lidar com ela; mas o "relacionamento com a realidade" de uma pessoa não é o único critério para determinar a sua doença ou saúde mental.Também temos de ver até que ponto sentimentos humanos como o desespero,percepções humanas como a empatia,ou emoções humanas como o entusiasmo,são possíveis ou eliminados."
"A destruição é a expressão imediata da loucura daqueles que se dedicam única e exclusivamente à «realidade».Fachadas ideológicas costumam encobrir estas ligações.A loucura dos «realistas» consiste em negar tudo que é humano sob a capa da preocupação com a humanidade.Eles sabem dotar-se de um rosto humano,mas(tal como todos os psicopatas)não têm sentimentos a condizer.O seu interior é um pandemónio de rancor e instintos assassinos; em vez de um Eu vivo sentem apenas vazio.Para fugirem a esse vazio e ao caos interior têm de destruir a vida à sua volta.Só assim é que se sentem vivos.
O sucesso dos «realistas» não se baseia apenas na sua arte de se fazerem imprescindíveis como líderes,mas igualmente na índole da obediência daqueles que precisam de líderes desse tipo para poderem renunciar ao seu Eu.A necessidade de se acomodarem faz que todo o seu ser se oriente pelo cumprimento das regras.Agarram-se à letra das leis e dos regulamentos e assim destroem a realidade do nosso mundo sentimental.Desta maneira,não têm de dar pelos seus próprios impulsos destrutivos.Frequentemente encontram o seu lugar na burocracia,onde podem terraplanar sentimentos em nome da lei e da ordem e,ao fazê-lo,sentir a razão toda do seu lado.
Esses conformistas são a infantaria dos «líderes natos» psicopatas e estão a ajudá-los a levar o mundo para o precipício.Só esta colaboração torna a situação tão perigosa."

Arno Gruen,psicanalista,in A Loucura da Normalidade

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